Vocês devem saber que o álbum dos Racionais MC’s “Sobrevivendo no inferno” de 1997 é considerado tão importante para a cultura brasileira que sua relevância está no mesmo patamar de obras como Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa, e Chega de Saudade, de João Gilberto. E, um dos motivos dessa grandiosidade foi a maneira como as músicas foram escritas. Saíram de um tom autoritário, mandatório, arrogante e distanciado das letras anteriores, para um olhar complexo da realidade brasileira, representativo, empático e com muito sentido de coletividade. Uma troca de igualdade.
Trago esse exemplo dos Racionais para falar de autodesenvolvimento, autoconhecimento, autorreflexão, autoanálise e todos os “autos” que tem a ver com o desenvolvimento pessoal. Prefiro apostar que não foram os anos de análise que os integrantes do Racionais precisaram para escrever essa obra prima. Acredito que tenha sido a percepção do contexto e o impacto que tinham nas suas vidas e emoções. Essa percepção do contexto é uma característica rica da cultura brasileira, temos esse olhar para o que acontece ao nosso redor, ou, pelo menos, poderíamos aprimorar. Muitos de nós percebemos quando uma pessoa que ficou desconfortável em uma reunião, um colega de trabalho que não está em um bom dia e o momento certo para falar algo importante para o chefe, esses são exemplos de leitura de contexto.
Me pego refletindo se esses temas de autoconhecimento, autodesenvolvimento, autoanálise e autoexpressão e começo a achar que estamos colocando peso demais nessas denominações. Entendo que o autoconhecimento é uma atividade sem fim, mas ao mesmo tempo parece que apenas algumas pessoas atingem esse poder depois de muita busca do eu interior e seus egos, anos de análise, formação em yoga, meditação profunda ou veganismo como formas possíveis de se conhecer. Com certeza todas essas ações contribuem para o autoconhecimento, mas é na consciência de como nos sentimos, reagimos e o que fazemos com essas emoções que contribuímos para o autodesenvolvimento.
Durante o dia temos uma enxurrada de informações no trabalho, vamos executando e a vida vai acontecendo, mas de repente vem um pensamento no meio do dia tipo: “Por que essa pessoa falou assim comigo?” “Por que me senti tão incomodado com essa questão?” “Por que não consegui falar tudo que eu queria na reunião?” “Por que fiquei tão feliz quando fui elogiado pelo chefe mesmo que ninguém viu?” “Qual o sentimento que gerei no meu colega quando expus aquele problema?”.
Essas são questões que passam pela nossa mente quando paramos para analisar o impacto do dia a dia do trabalho na gente, indivíduo. Refletindo sobre esses sentimentos vamos começar a entender como somos e o que precisamos fazer para nos desenvolver. Procurar a resposta para algumas das questões já é autodesenvolvimento.
Pegando essa pergunta como exemplo: “Por que não consegui falar tudo que eu queria na reunião?” Algumas das respostas pessoais poderiam ser:
- “minha líder estava na sala e eu me sinto constrangida em relatar um problema, então, como posso preparar a minha fala”;
- “não me preparei para a reunião como gostaria pois esse problema não me tocava e agora percebo como tocou o outro, como posso ajudar?”;
- “fiquei com vergonha de dar minha opinião e agora perdi a oportunidade de contribuir, mas de onde vem essa vergonha?”.
Essas reflexões são a chance de fazermos algo diferente no futuro ou até mesmo de reforçarmos atitudes que representem nossos valores e como somos.
Começar a perceber e a anotar os sentimentos que foram gerados durante o dia e como trabalhar isso, é uma oportunidade para começar esse mergulho sem fim no autodesenvolvimento. Reparar no sentimento que geramos no outro também é uma oportunidade maravilhosa de autodesenvolvimento.
“Na carreira: somos mais livres do que pensamos e menos corajosos do que podemos”.
Se alguém quiser entender um pouco mais sobre o impacto do álbum dos Racionais na cultura brasileira, entre na nossa playlist “O curso da Veropequi” no Spotify e escute a música “Fórmula Mágica da Paz”. Fica a dica.
Natália Brasileiro, sócia da Veropequi