O caso é o seguinte: empresa familiar de grande porte passando por forte reestruturação. No passado a cultura interna entre a liderança era descrita como baseada em conflito de áreas, competição entre pares, protecionismo de áreas pelos membros da família, intervenções constantes em planejamento, produção e entregas pelos executivos familiares. Resumão? Liderança era um cargo vestido de nomes pomposos na folha e no crachá e não havia o menor espaço para a prática de gestão de gente ou autonomia de decisões.
Como reestruturar uma empresa e oferecer à liderança e demais colaboradores a oportunidade de vivenciarem, de fato, as responsabilidades de seus cargos?
Muitas etapas acontecem aqui. Afastar os executivos familiares foi um bom começo para eliminar os jogos de poder e práticas abusivas de controles e proteção de interesses particulares. A entrada de um CEO profissional com equipe competente tecnicamente, mas ( e sobretudo), com competências fortes de relacionamento e capilarização de estratégias está fazendo toda a diferença na cultura. Sim estamos falando de um equipe capaz de negociar situações complexas, mediar conflitos mas sobretudo uma equipe com competências de comunicação avançadas, de escuta e percepções de boas praticas importantes para a operação.
Passados os meses iniciais de choque de gestão, a liderança está sendo convidada a encarar-se de frente e recebe apoio por meio de práticas que, em seu conjunto, colocam para rodar um novo perfil dentro da empresa permitindo relacionamentos bem diferentes da proposta anterior de gestão. Sim, estamos presenciando neste caso, dia a dia, uma cultura em transformação, real, em cores e de forma muito concreta. O que está sendo fundamental nesta nova trilha de fortalecimento da liderança?
- Autonomia – a nova gestão com o CEO independente implantou reuniões semanais com todos os gestores das área para que todos possam ouvir e opinar nos tópicos importantes e tomar decisão em conjunto. As primeiras reuniões foram um grande exercício de quebra gelo e de situações de ataque e proteção. O sistema “atacar e fugir” do sistema primitivo humano era a estratégia mais utilizada pelos líderes presentes. Outra perspectiva era o silencio e a insegurança de colaborar. Estavam se segurando nos corrimões antigos da cultura. Persistência é o ponto. Manter as reuniões, faça chuva ou sol, sair com pautas de decisão e coloca-las para rodar, medir impactos e costurar as rotas em conjunto ao longo da semana são os exercícios praticados após cada reunião.
- Comunicação – uma das vilãs master do mundo corporativo está sendo trabalhada com clareza, maior agilidade e sobretudo enfatizando a importância dos líderes perceberem o impacto do desdobramento de informações relevantes para a empresa. A cultura antiga reforçava a distorção de fatos, dados, premiava a informação privilegiada e criou um emaranhado de ruido que impossibilitava a empresa de crescer saudável. A ameaça era uma arma constante. A empresa hoje estabelece canais mais claros e pulverizados, acessíveis a todos ao mesmo tempo. Os líderes são cobrados para desdobrarem reuniões em suas áreas e estimulados pela gestão principal a trazerem ideias e percepções de seus times. O desafio aqui é gigante e, após um ano de trabalho, muito ainda está em andamento, porém a empresa respira de forma articulada, se relaciona a partir de um núcleo forte e denso de informações mais seguras e compartilhadas.
- Mentoria para a liderança – a cultura anterior não incentivava a gestão de pessoas, e a instrumentaliza como uma perspectiva de trabalho para a área de RH. Os encontros de mentoria não só desenvolveram competências e segurança nos líderes como permitiu a discussão de conceitos, implantação de modelos de conversas mais próximas com os times, ampliou conceitos e ofereceu suporte para que os líderes criassem espaços de confiança e foco na gestão de pessoas e competências dos times. Em menos de 2 meses a liderança já estava prestando atenção à qualidade das entregas, remodelando times e implantando formas de relacionamento saudáveis e de crescimento em suas áreas.
- Rodas de conversa – encontros quinzenais com liderança de 3º nível que precisava ser ouvida e ter suas propostas de melhoria de produção e relacionamento acatadas. Nestas rodas, estamos melhorando pontos no processo que antes estavam interrompidos, soltos ou até ausentes. O ganho de visão sistêmica aqui é fundamental para corrigir rotas e tornar o impacto das mudanças na reestruturação mais claros e transparentes.
- Apoio ao RH – para a criação de trilhas de desenvolvimento técnico, desenvolvimento de novas parcerias com instituições de ensino para conteúdo, atração de novos talentos e trocas mais relevantes em projetos internos.
- Dados e informações confiáveis – os sistemas ERPs ativos estão em processo de melhoria e melhor aproveitamento. A nova cultura está pautada na transparência e confiabilidade de dados. Foi desmontada a estrutura anterior de privilégio de informações e a cultura de planilhas de controle paralelos diminuiu cerca de 60%. O alto investimento para colocar os ERPs totalmente integrados é ainda um entrave, mas as equipes com ajuda de um profissional interno designado para gestão de projetos, já conseguem perceber a importância de controles efetivos integrados. As informações aqui geradas alimentam as reuniões de Conselho.
Aprendemos que toda reestruturação traz à tona de forma incontornável os pontos de desenvolvimento que ficaram negligenciados por muito tempo, enquanto a empresa ganhava corpo e tornava-se mais complexa. Todo o trabalho em torno de gente que não havia sido feito ou que não tinha importância no passado passa a ser crucial neste momento.
Não há plano de fuga. Não há trabalho simples e rápido.
Liderar é um esporte de contato e quem se esquiva muito dessas verdades escolhe um caminho mais longo e custoso. Para si e para a organização.
Ou perde-se por completo, no caminho.
Bons ambientes de trabalho se faz com gente conversando com gente. A cultura organizacional agradece.
Danielle Moro, sócia da Veropequi